O judiciário e a política

Por Gaudêncio Torquato*

Há uma pendenga entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário que teima em não dar trégua. O último lance dessa batalha foi a incursão da Câmara Federal no terreno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a colocação na pauta de um projeto proibindo àquela Corte de punir partidos que não apresentem prestação de contas ou que tenham suas contas rejeitadas. Foi preciso uma intervenção do presidente do TSE, Ministro Gilmar Mendes, para convencer o Presidente da Câmara a eliminar essa disposição, que acabaria estiolando a força do Tribunal.

A primeira leitura que se faz do episódio é a de que o Parlamento quer dar troco aos juízes eleitorais ante a crescente invasão do Judiciário em sua seara. A queixa: o Poder Judiciário está legislando e invade a propriedade exclusiva dos representantes eleitos: deputados e senadores. O argumento é de que os legisladores, para preservarem os princípios da harmonia e da independência entre os Poderes, estatuídos na Carta Magna, não fazem a lição de casa. Como o poder não admite vácuo, a Corte o tem preenchido com farta legislação judicial.

Nesse ponto, convém indagar: o Supremo Tribunal Federal (STF) deve entrar no terreno legislativo ou só informar às Casas congressuais as omissões? O Supremo só age quando acionado. Sua missão é interpretar a Constituição ante a falta de clareza ou inexistência de leis. Mas algo mudou. Os magistrados passaram a produzir regras. O Supremo tem se reposicionado no cenário institucional, tomando decisões de impacto, sem se incomodar com críticas de que está legislando.

Por que os parlamentares, tão afeitos à produção legislativa, deixam de fora de sua agenda a regulamentação de dispositivos importantes da Constituição? Há, segundo cálculos da Casa Civil da Presidência da República, cerca de 180 mil diplomas normativos na esfera federal, entre leis, decretos-leis, decretos, portarias, resoluções e instruções normativas, muitos conflitando com a própria Constituição.

Não estaria havendo transgressão ao princípio democrático de que o representante eleito pelo povo é quem detém o poder de legislar?

Outra queixa recorrente é a de que os juízes passaram a falar fora dos autos. Quando isso ocorre não estaria o juiz cometendo pré-julgamento? Pela visão aristotélica, o Judiciário cumpre uma função política. O Poder Judiciário seria detentor da cota de política que Aristóteles atribuía ao homem, cujo dever é participar da vida de uma cidade, “sob pena de se transformar em ser vil”. Pela interpretação do ensinamento do filósofo grego, não haveria restrição para ver na missão dos juízes uma faceta política. Mas, o que se crítica é o fato de o ente político, a serviço da coletividade, se confundir com o politiqueiro. Naquele habitaria a grandeza, nesse residiria a vilania.

Daí a imagem deteriorada que se tem dos Poderes. Nos Estados Unidos, os membros da Suprema Corte são intensamente identificados com os partidos republicano e democrata. A disputa pelo controle da Casa Branca e do Congresso entre os dois partidos se estende na composição da Suprema Corte. Daí a escolha de nomes com os quais os representantes do Executivo e do Legislativo sintam-se mais seguros em defesa de seus interesses políticos.

O Estado-Espetáculo é outro componente que acaba desvirtuando a missão do juiz. Não se pretende defender a tese de que juiz precisa vestir o figurino da neutralidade. O que se pretende é voltar a encontrar no Judiciário as virtudes que tanto enobrecem a magistratura: independência, saber jurídico, honestidade, coragem e capacidade de enxergar o ideal coletivo.

*Gaudêncio Torquato é Jornalista, Professor Titular da USP e Consultor Político e de Comunicação. Twitter: @gaudtorquato.

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