Por Léa Lobo

Sabe aquele momento em que alguém vira a chave e você nunca mais olha o seu prédio do mesmo jeito? Foi assim na palestra de Michael Gottlieb, sócio-gerente da MilliCare pela Advanced Green Solutions (EUA), realizada na sede da FS Educa. Apresentado, com bom humor e precisão clínica, como “Encantador de Carpetes” e “Terapeuta de Instalações”, ele ancorou a conversa em ciência, condição humana, tecnologia, treinamento e melhores práticas. O recado central foi: “Limpar por aparência não é suficiente. Nosso trabalho é criar ambientes mais limpos e saudáveis para as pessoas e para os ativos, com impacto mensurável em sustentabilidade e no negócio”.
Do mesmo lado da mesa
Gottlieb rejeita a lógica “fornecedor x cliente”. “Eu me sento do mesmo lado da mesa. Somos parte do mesmo time de FM.” A partir dessa premissa, ele defende relações de longo prazo, alinhadas a objetivos concorrentes do site (saúde, imagem, vida útil dos materiais, orçamento e metas ESG). “Não estamos lá apenas para limpar; estamos lá para preservar investimentos, reduzir riscos e tornar a vida do FM mais fácil.”
Quando materiais não conversam a conta chega
Pós-pandemia, os escritórios abraçaram texturas, madeiras, concretos polidos, rochas naturais e fibras, muitas vezes lado a lado. “Nem sempre esses materiais performam bem juntos”, alerta. Um exemplo recorrente: produtos para tratar fibras naturais que “queimam” concreto polido. Outro clássico: porcelanato, quartzo (resina + pedra) e mármore Carrara lado a lado; sem identificação correta e processo específico, pequenos acidentes viram restaurações caras. “Saber o que fazer e, principalmente, por que fazer é a diferença entre manter e destruir.”
O inimigo invisível é química mal usada e ‘migração’ de sujeira
Do “rabinho de baleia” no carpete (acúmulo pegajoso na saída de banheiros) à borda entre hard floor e carpete, a química errada, ou aplicada do jeito errado, vira cola para a sujeira. “Desinfetantes deixados no piso rigidificam resíduos; depois, tudo gruda no carpete. Sem transições adequadas e sem processo, a sujeira migra.” O resultado? Pior IAQ (qualidade do ar), mais esforço do HVAC, mais manutenção corretiva e menos vida útil dos acabamentos.
Limpeza diária e manutenção profissional, parecem iguais, mas não são
Gottlieb faz uma distinção que dói no bolso quando ignorada. A limpeza diária trabalha sob padrões de produtividade apertados (citou referências da ISSA) e, muitas vezes, “espalha uniformemente a sujeira” pelo espaço por falta de tempo, ferramenta e escopo. Já a manutenção profissional opera com diagnóstico, química certa, equipamento validado por fabricantes e treinamento contínuo. “Nosso processo, em determinados serviços de carpetes, usa até 99% menos água e 75% menos energia. Sustentabilidade de verdade é processo inteligente, não checklist.”
Comunicação salva pisos e orçamentos
Um caso emblemático: após uma limpeza e selagem de lobby, surgiu uma mancha que se espalhou dias depois. Só então veio a informação: houve derramamento de solvente externo, grande o suficiente para ser reportado à agência ambiental. “Sem o fato, escolhemos a solução errada. Consertar custou 3 a 4 vezes mais. Conte a verdade cedo: o prédio e o budget agradecem.”
O business case: preservar vale mais que restaurar
Em loja de luxo em Beverly Hills, 420 m² de travertino exigiram restauração de alto valor, intervenção que “nunca deveria ter sido necessária” com manutenção programada. Na comparação, a rotina certa, anual, previne o dano crônico e estabiliza a estética. “O maior investimento do negócio são as pessoas. Um ambiente saudável reduz riscos, melhora experiência e protege ativos. Isso é ROI.”
Brasil na frente, colaboração real no dia a dia
Entre visitas a sites no país, Gottlieb destacou algo que não vê com frequência nos EUA: reunião em que FM, fornecedor, equipe de limpeza e manutenção diária resolvem juntos o problema. “Foi inspirador. Visões menos isoladas aceleram soluções e evitam retrabalho.” Ponto para nós, e um convite a manter essa cultura.
O que um FM pode fazer amanhã cedo
Sem bala de prata, com método. Gottlieb propõe passos simples e de alto impacto:
1. Diagnosticar antes de agir. Inventário de superfícies (mármore, quartzo, porcelanato, concreto, vinílico, carpete), histórico e riscos por zona.
2. Alinhar escopos. Diferenciar limpeza diária de manutenção profissional; contratar por objetivo e resultado, não só por m²/hora.
3. Padronizar química e transições. Produtos compatíveis por material; instalar e manter perfis de transição e barreiras secas/molhadas.
4. Treinar continuamente. Gente + processo + equipamento (validados por fabricantes) — e métricas de desempenho.
5. Auditar o “janitorial closet”. Baldes, mops e máquinas contam a história do site. Separar água limpa/suja já reduz contaminação e retrabalho.
6. Medir sustentabilidade real. Água, energia e química por intervenção; comparar manutenção preventiva x corretiva no TCO.
7. Comunicar incidentes sem medo. Informação completa evita a solução errada e a restauração cara.
Por que importa para FM
Porque estética, saúde, ESG e ROI andam juntos e a diferença está no processo. Em tempos de orçamentos pressionados e cobrança por ambientes mais saudáveis, escolher (e cobrar) manutenção baseada em ciência é vantagem competitiva. E, sim, colaboração à brasileira ajuda.
Michael Gottlieb é sócio-gerente da MilliCare pela Advanced Green Solutions (Estados Unidos). Conhecido como “Encantador de Carpetes” e “Terapeuta de Instalações”, atua com diagnóstico de superfícies, manutenção profissional e estratégias de sustentabilidade para ambientes corporativos.